Mariselma Bonfim
Educação digna e de qualidade para todos é direito apenas proclamado, mas não são fatos concretos. Mas esse contexto que tirar da população o que é seu por direito, não pode tirar a nossa capacidade de lutar e ter esperança de aprender com as lutas do passado, de apostar nas mudanças. Atuar com crianças, jovens e adultos segundo (KRAMER, 2001, p.122) exige garantia e respeito à diversidade cultural, étnica, religiosa, combatendo a desigualdade social.
Focalizando apenas o Brasil, percebemos facilmente que a identidade do professor mudou, passando das figuras da normalista cheia de ideal ou do educador que trabalha por vocação, como se fosse um “sacerdote”, para as do técnico em ensino e do trabalhador da educação. No momento presente coloca-se a noção do professor profissional da educação que, ao formar-se, forma também a escola e produz a profissão docente (NÓVOA, 1991).
Considerando a importância das interações sociais e do contexto político e social para a formação do professor, podemos dizer que é importante prever tempos e espaços curriculares, tanto na formação inicial quanto na continuada, para que ele – profissional em formação – possa refletir criticamente sobre diferentes aspectos de sua prática pedagógica, em que seu trabalho “dialoga” com diversos interlocutores: a própria sociedade (famílias dos alunos), o sistema de ensino (MEC, Secretarias de Educação), a categoria docente (cujo campo de trabalho é a escola), a instituição escolar (em que vivencia relações hierárquicas vinculadas aos papéis institucionais), a escola em funcionamento (em cuja organização trabalha com seus pares) e a sala de aula (em que interage com os alunos). Esse conjunto de relações, que se mesclam e se conformam mutuamente, resultam na dinâmica do processo de formação da identidade do professor como um profissional.
Com base na abordagem sintetizada nos parágrafos precedentes e nas responsabilidades hoje atribuídas ao profissional da educação, podemos distinguir em sua identidade três dimensões inseparáveis, pois ele é simultaneamente: um especialista que domina um instrumental próprio de trabalho e sabe fazer uso dele; um pensador capaz de repensar criticamente sua prática e as representações sociais sobre seu campo de atuação; um cidadão que faz parte de uma sociedade e de uma comunidade.
Já na década de 60 o autor Anísio Teixeira já demonstrava uma inquietação quanto à formação dos futuros educadores. Num tom meio profético, antevê desafios cada vez mais cruciais a partir do seu tempo, quando se inicia o vertiginoso alastramento mundial dos meios de comunicação, da propaganda, do consumismo, do entretenimento. Expressando uma preocupação hoje muito generalizada, porém pouco concretizada em investimentos diretos na formação do professor. Essa preocupação pode ser explicitada assim:
“A educação para todos não pode ficar alheia à revolução das ciências e dos meios de comunicação de massa; a formação dos mestres de amanhã precisaria romper com a preamar do tradicional, engajando-se no enfrentamento dos desvios da cultura tecnológica e consumista e na apropriação do pensamento científico e dos meios de comunicação, de modo a dominá-los e a servir-se deles, assegurando a todos a educação capaz de enriquecer a vida no planeta”. (TEIXEIRA, 1963 p.1).
Pensar na formação profissional nesse novo tempo exige compreender qual a participação social que o sujeito tem como cidadão e isso remete, inevitavelmente, ao conceito de cidadania, que por sua vez só pode ser concebido sob a luz da historicidade à qual se encontra enlaçado. Vê-se, pois, que o conceito de cidadania, ainda que guarde um núcleo geral (a idéia de participação ativa do individuo na realidade social da qual faz parte), guarda também especificidades que emergem do momento histórico ímpar a que se encontra vinculado.
Para Tardif (1991), é necessário que, nos tempos atuais, a formação profissional se baseie em uma nova epistemologia, a “epistemologia da prática”, que ele define como “o estudo do conjunto de saberes utilizados realmente pelos professores, em seu espaço de trabalho cotidiano, para o desempenho de todas as suas tarefas”. Segundo Nóvoa (1991), a formação do professor, de acordo com a “epistemologia da prática”, contribuiria para dar novo significado também à escola e à profissão docente.
A idéia de uma “epistemologia da prática” resulta de transformações na ciência contemporânea relacionadas ao desenvolvimento da microfísica, conforme Santos (1997) e do pensamento de autores como Kuhn (1962), Foucault (1971) e Canguillen (apud Machado, 1981), que criam novos objetos epistemológicos – o cotidiano, os jogos de linguagem e a prática, entre outros – e demonstram a historicidade do conhecimento (Tardif 1991). Assim, a prática passa de campo de aplicação à campo de produção do conhecimento, conferindo-se legitimidade aos saberes práticos.
Nesse contexto, torna-se necessário admitir que a formação inicial, por mais indispensável que seja e por melhor qualidade que tenha, é intrinsecamente inacabada. Vê-se, pois, que as concepções de atualização e reciclagem não se confundem com a de formação continuada. Embora esta última possa valer-se também daquelas, possui uma dimensão relacionada à complementação da formação inicial e a reelaboração teórico-crítica da prática cotidiana, ao longo de toda a carreira profissional.
REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação / Maria Lúcia de Arruda Aranha. 2. ed. rev. e ampl.- São Paulo. Moderna, 1996.
KRAMER, Sonia (coord.). Com a pré-escola nas mãos. Uma alternativa curricular para a educação infantil. São Paulo: Ática, 1991.
LEI FEDERAL Nº 9.394/96 – Lei de diretrizes e bases da educação nacional - LDBEN
NÓVOA, Antônio. Concepções e práticas de formação contínua de professores. In: NÓVOA, A. Formação Contínua de Professores: Realidades e Perspectivas. Aveiro: Universidade de Aveiro, 1991.
______________. O Passado e o Presente dos Professores. In: NÓVOA, A. (org.). Profissão Professor. 2. ed. Porto: Porto Editora, 1995.
______________ . In: CANÁRIO, Rui. Educação de Adultos: um campo e uma problemática Prefácio. Lisboa: EDUCA, 1999, p.3-8. (EDUCA - Formação, 7).
PERRENOUD, Fhilippe. Dez novas competências para ensinar.Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre : Artes Médicas, 2000.
PERRENOUD, Philippe. (org.) Formando professores profissionais: Quais estratégias? Quais competências? Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.
TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude; LAHAYE, Louise. Os professores face ao saber – esboço de uma problemática do saber docente. Teoria & Educação. n.4, p.215-233,1991.
TEIXEIRA, Anísio. Mestres de amanhã. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Rio de Janeiro, v.40, nº 92, out/dez. 1963.
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